Catarina Barreiros
Fundadora do projeto Do Zero
É fácil, na maternidade, perdermo-nos num mundo de coisas queridas, azuis e cor-de-rosa, que nos parecem imprescindíveis para a sobrevivência do pequeno ser humano que temos dentro de nós. Podemos culpar as hormonas, mas a verdadeira culpa é do cérebro, que fica tantas vezes a hibernar nestes nove meses, permitindo que a carteira salte com o bater do coração. Mas não tem de ser assim. É possível desfrutar da gravidez, trazer um bebé ao mundo e viver de modo pleno e feliz a maternidade, sem destruir o planeta onde os nossos filhos vão viver (sim, porque cada coisa nova que se compra teve de ser produzida e, para essa produção, foram necessárias matérias-primas, energia e água).
Uma das primeiras coisas que dissemos à família foi que não queríamos que comprassem nada. Iríamos “herdar” muita coisa do nosso sobrinho e, o que não herdássemos ou não nos fosse emprestado, seria comprado em segunda mão. Tivemos alguma aversão inicial à ideia, mas rapidamente a família foi alinhando e percebendo que, afinal, não estávamos a privar a nossa filha de nada. Estávamos só a fazer escolhas que acreditávamos ser mais conscientes.
O princípio básico para estas escolhas é o mesmo para tudo na vida: seguir os “R’s” e recusar, repensar e reutilizar tudo o que for possível.
Não comprei roupa de grávida; as poucas peças de roupa que comprei foram peças grandes e largas, que pudesse vir a usar depois - mesmo o vestido de cerimónia que tive de comprar (porque tive casamentos no último trimestre), é, na verdade, um vestido larguinho, que já usei depois de a nossa filha nascer. Também não comprei cremes; usei o mesmo óleo de argão de sempre, durante toda a gravidez - zero estrias.
Porém, seguirmos os “R’s” no que diz respeito a nós não é difícil. O problema é recusar roupinhas amorosas, banheiras que parecem mesmo confortáveis, ou termómetros de ar (sim, existem!) porque precisamos de controlar até o ar que o bebé respira. Quem precisa de respirar fundo somos nós. E descomplicar. Há o necessário e o acessório. E se há coisas acessórias que vos vão ajudar a ter paz de espírito, então força, mas se é só para ter “caso haja uma emergência e precise mesmo de uma balança para bebés que meça os gramas até aos 4 dígitos”, então deixem-me tranquilizar-vos: não vai chegar esse dia. Se chegar, depois resolve-se (as balanças de cozinha servem para pesar bebés, por exemplo).
Afinal, o que é que é mesmo necessário ter para a chegada do bebé e como podemos garantir que compramos tudo da maneira mais sustentável possível?
Cada caso é um caso (um bebé prematuro, por exemplo, que nasça com menos de 2,5kg ou que perca muito peso nos primeiros dias, vai mesmo ter de ser pesado com precisão e, se não quiserem ir todos os dias a uma farmácia pesar o bebé, uma balança pode, sim, dar jeito), mas, regra geral, os bebés precisam do que lhes permita dormir, comer, viajar e estarem limpos, saudáveis e confortáveis. E não é assim tanta coisa.
Dormir
Os bebés precisam de um berço ou alcofa. Tudo depende do que escolhem fazer. Se adotarem o co-sleeping, talvez baste um ninho nos primeiros meses. Nós tivemos quem nos emprestasse um berço de co-sleeping, pelo que a nossa escolha ficou logo definida. Se tiverem um carrinho com alcofa, esse pode muito bem ser o berço para os primeiros meses ou, pelo menos, pode ser o berço para quando vão de viagem.
Se tiverem uma casa pequena, também não precisam de intercomunicadores. Porém, se não comprarem intercomunicadores, é imperativo que o bebé fique a dormir num local onde os pais o consigam ver facilmente. O risco de morte súbita em recém-nascidos é real e não vale a pena brincar com a sorte, até porque há muitos intercomunicadores a valores bastante bons, nos mercados (e lojas) de segunda mão.
Comer
Se estão a amamentar, estão em modo “desperdício zero” - até porque, da minha experiência, nem os discos de amamentação são necessários, desde que coloquemos uma camisola interior por baixo da roupa. No entanto, se precisarem de usar, existem opções reutilizáveis, de algodão, que podem ir à máquina. Se optarem por fórmula ou não tiverem outra opção senão esta, vão precisar de biberões (podem comprar em segunda mão, mas se as tetinas não estiverem bem, comprem novas). Não vão precisar de um esterilizador; uma panela com água a ferver funciona igualmente bem. Ainda assim, se preferirem comprar um, há MUITOS em segunda mão a preços bem simpáticos.
Quando começarem a dar papas e sopas, também não precisam de comprar tupperwares próprios para bebés. Que tal reaproveitarem os frascos de vidro das compotas e do grão? Ou reutilizar os recipientes de comida que já têm? Não precisam, necessariamente, que sejam pequeninos - basta colocar menos comida, para não desperdiçar.
Vão precisar de babetes. E, ou têm vários de pano, que lavam várias vezes, ou optam por um ou dois de borracha em que basta passar com um pano molhado depois das refeições. À partida (e tendo em conta que tudo o que é tecido precisa de MUITA água na produção), seria ideal escolher os de borracha. No entanto, se já tiverem babetes de tecido emprestados, vai ser sempre mais sustentável utilizar esses do que comprar novos de borracha.
Viajar
Convém ter um bom ovo (a única coisa que não aconselho comprar em segunda mão, a menos que tenham a garantia de que o ovo não sofreu nenhuma colisão) e um carrinho.
No entanto, não é preciso gastar muito dinheiro. Comprámos um carrinho usado para a nossa filha, que estava em perfeito estado, vinha com alcofa e capa da chuva, e custou 200€ (em vez de 1200€). Promovemos o mercado de segunda mão, poupámos o ambiente e a carteira. Só vantagens!
Vão querer também uma mala para colocarem as coisas do bebé, mas essa mala não tem de ser “de bebé”. As malas de bebé não têm de ser nada mais que... malas, de preferência com fecho (porque vão acabar por ficar tão desarrumadas que convém ninguém ver o caos). Como a minha mãe ainda tinha guardada a “minha” mala de bebé, é essa que usamos com a nossa filha. Se não a tivéssemos, usaríamos uma mochila normalíssima ou uma das minhas malas maiores. O que houvesse em casa. Porque o objeto mais sustentável é aquele que já temos em nossa casa. Basta “repensar” as utilizações.
Banho, higiene e conforto
Para estarem limpos, saudáveis e confortáveis os bebés precisam de roupa adequada ao clima (peçam emprestado ou comprem em segunda mão – o ambiente agradece, a carteira agradece e conseguem evitar a frustração de gastar dinheiro e recursos do planeta numa roupa que rapidamente deixa de servir) e fraldas, assim como toalhitas.
Nós usamos fraldas de pano, mas se for para as lavarem a temperaturas muito elevadas e secar sempre com máquina de secar, podem não ser a escolha mais ecológica. Atenção também às fraldas biodegradáveis: em Portugal, estas fraldas vão para os aterros e, por isso, não é possível que se decomponham. No que diz respeito às toalhitas, no nosso caso não são mais do que lençóis de flanela antigos e sem uso, cortados em retângulos que molhamos em água na hora de mudar a fralda. Mais simples, impossível. Sabem as toalhitas que são 99,9% água? Bom... Estas são tecido e 100% água!
Ainda nos cuidados de higiene, vão precisar de um sabão ou gel de banho para bebé. Nós compramos o nosso (líquido) a granel, mas quando acabar vamos passar para sabonete, que é a opção mais ecológica. Uma barra de sabonete dá para mais utilizações e é mais leve do que o equivalente em gel de duche (que consome mais combustível no transporte).
Não vão precisar de uma banheira, a menos que queiram muito (e, caso queiram, já sabem: segunda mão!). Qualquer alguidar da roupa sem furos serve para dar banho a um bebé. Um lavatório grande também funciona e, caso tudo isto falhe, podem sempre tomar banho com o bebé – a opção preferida da nossa filha que, com 8 semanas, inclina a cabeça para trás para levar com a água do chuveiro no pescoço. Também não vão precisar de muitos cremes - são bebés, têm uma pele maravilhosa. Precisam de estar hidratados, mas não precisam de 5 cremes depois do banho. O mesmo óleo de argão que usei na gravidez é o que usamos na nossa filha.
A experiência de cada maternidade vai ser sempre diferente e cada mãe vai ajustar as necessidades à sua vida. No que diz respeito à sustentabilidade, mais do que pensar em biberões de plástico ou vidro, vale a pena começar por recusar um sem número de objetos que o marketing nos impõe como fundamentais. Há objetos que vão facilitar a vida, mas que vão fazer só isso. Temos de pesar bem o que importa mais: facilitar um mês da nossa vida ou facilitar o futuro dos nossos filhos num planeta que está em plena crise climática, com tendência a agravar exponencialmente. Não temos de recusar tudo ou de aceitar tudo, temos de fazer escolhas. Se precisamos de um “facilitador de vida” sob a forma de cadeirinha que embala o bebé, podemos, por outro lado, escolher utilizar toalhitas feitas com lençóis velhos. Não é “ou tudo ou nada”, mas sim “cada um faz o que pode”. Porque é isso que fazemos na maternidade: damos o nosso melhor. Pelos nossos filhos e pelo futuro deles na Terra.
Artigo originalmente publicado na segunda edição da Revista De Mãe para Mãe, em outubro de 2019.